Estava pensando nesta manhã de quinta-feira santa sobre o ágape que os cristãos latinos chamavam caritatis, pensando no paradoxo que essa
forma de amor exprime quando dispersa o que deve permanecer unido e une o que
está aparentemente disperso.
Falo por experiência própria, afinal, escolhi me afastar da
minha comunidade de fé para não “fechar as portas do reino” (MT 23,13) porque não
queria que o meu zelo fosse pedra de tropeço para os outros. Do mesmo modo, que nos afastamos de alguém que
amamos para não escandalizá-la com o nosso afeto, posto que às vezes esse afeto
mesmo bonito nos é causa de queda.
A fé cristã é um paradoxo maravilhoso, suas exigências
transbordam do mistério de Deus e só pode ser perscrutado porque quem não se
contenta em apenas molhar os pés, mas que de fato deseja ir “para as águas mais
profundas”. De fato, essa forma de amor
especial que coloca o outro no centro valorizando-o e que exige de nós que
deixemos de lado nossos projetos particulares para se colocar à serviço ainda
que esse serviço seja à renúncia de nossas ambições mais corriqueiras como a
fama e o prestígio na vida social. Com efeito, esse amor que São Paulo
apresenta muito bem como aquela que: “é paciente, prestativa, não possui
soberba e não procura o próprio interesse, não se irrita e não guarda
ressentimento; e ainda não se contenta com a injustiça e se agrada da verdade.”
(1Cor 13, 4-6) Ora, somos imperfeitos na caridade, nesse abster-se de nós
mesmos para se pôr à serviço do outro. Mas somos chamados constantemente a
procurar a perfeição na caridade, pois, a caridade é graça que abunda do mistério
de Deus.
Somos convidados ao silêncio obsequioso que evita o
julgamento dos irmãos (e peço perdão pelas vezes que julguei quando deveria me
calar).
Somos convidados a se afastar quando já não podemos
contribuir para o crescimento dos irmãos (e peço perdão por meu fracasso quando
Deus confiou seus talentos e eu não fui capaz de dobrá-los).
Somos convidados perdoar a covardia e falta de sinceridade
dos irmãos que não nos compreenderam, dos irmãos que nos julgaram e que Deus
confiou a nós. (e peço perdão pelas vezes que fui covarde e quando optei pela
omissão seja para me proteger seja para proteger os outros e ainda peço perdão
pela falta de paciência e pelo juízo precipitado para com os meus irmãos).
Somos convidados a dispersos nos unir e unidos nos
dispersarmos para que a palavra de Deus feita semente frutifique como é da sua
vontade. Que cada um semeie com os dons que Deus lhe deu ofertando a si mesmo e
doando-se como o Cristo se doou e continua a se doar por nós.
Reconheço que muitas vezes deixo a desejar como Cristão, que
muitas vezes falho com o evangelho, e por isso, peço a Deus que me ensine a ser
mais caridoso servindo aos irmãos com inteligência (dom que me foi dado), com
coragem (força que me impele a agir) e justiça (pois para Deus a caridade e a
justiça se encontram abraçadas).
Não sou parte de vós, mas sou um como vós. Não somos iguais,
mas somos semelhantes.
O paradoxo da caridade reside no mistério da paixão de modo
peculiar porque Deus sendo Todo poderoso não usou de força para salvar, mas
usou de amor: paciente e prestativo que tudo desculpa e tudo suporta para nos
salvar e esperou de nós uma resposta livre e sincera de acolhimento desse amor
que nos tira do centro sem nos deslocar dele para que “amassemos uns aos outros
como ele nos amou” (Jo 13,34).
Não nos esqueçamos do que nos une a videira, do qual somos
parte e da unidade à que somos chamados símbolo perpétuo da nossa fé.
Nenhum comentário:
Postar um comentário