sábado, 21 de janeiro de 2012

O Cristianismo e a política: Perseguições do passado e hoje.


     Desde os primórdios do cristianismo sua relação com a política sempre foi conturbada. O que pretendo aqui é desenvolver em linhas gerais um pouco da história desta relação a fim de explicar a causa das perseguições desde o império romano até os dias atuais através dos movimentos intelectuais, tais como a revolução francesa que marca o apogeu da modernidade. Na verdade vou concentrar meu esforço em explicitar a noção de responsabilidade cristã no cristianismo primitivo (igreja do primeiro século) e na conturbada relação contemporânea da igreja com a política, sobretudo no cenário atual brasileiro, que tem marcado as discussões em redes sociais (principalmente twitter) da parte de ateus e agnósticos que reclamam o estado laico como um direito conquistado pelo movimento iluminista e garantido pela constituição, isto é, pelo direito positivo.
   Obviamente por falta de material adequado a respeito da posição das igrejas evangélicas e ortodoxas no Brasil (desconheço a posição destas vertentes cristãs sobre a política na atual conjuntura). Vou buscar me fundamentar na posição da igreja católica apostólica romana, da qual estas vertentes se separam por divergências doutrinais e de interpretação da revelação bíblica. Minhas fontes para este pequeno texto serão o catecismo da Igreja Católica e um livro do Professor Doutor e padre João Batista Libânio, sj intitulado: “Qual o futuro do Cristianismo?” (deixarei as referências ao fim deste texto) e a fonte mais importante, a bíblia da qual tanto o catecismo como o livro do Professor Libânio buscam interpretar e justificar para explicitar a vivência cristã.

  O primeiro ponto a ser explicado não está diretamente relacionado a Jesus e ao cristianismo, mas está relacionado ao judaísmo. O judaísmo tem algo de peculiar em relação à experiência religiosa de seus vizinhos e demais povos ao longo do mediterrâneo. Os descendentes de Abraão cultuam uma única divindade, é a primeira religião monoteísta da qual temos registro. Uma religião que nasceu como várias outras religiões antigas, a partir do culto doméstico (cada família tinha suas divindades particulares que depois formaram uma religião “nacional”) Com o judaísmo o processo não foi muito diferente, exceto pelo fato de Abraão e sua família e descendentes cultuar um Deus único que se faz revelar e faz uma aliança com Abraão. Qual a importância de retroceder tanto na história bíblica e do cristianismo? Para responder a esta pergunta penso que é necessário citar o livro do Gênesis onde Deus faz a aliança e com ela uma promessa a Abraão: “O Senhor disse a Abrão: deixa tu a terra, tua família e a casa de teu pai, e vai para a terra que eu te mostrar. Farei de ti uma grande nação.” (Gn 12, 1-2ª) e em outra passagem mais adiante Deus promete a Abraão: “E partiram para a terra de Canaã. Ali chegando, Abrão atravessou a terra de Siquém, até o carvalho de Moré. Os cananeus estavam então naquela terra. O senhor apareceu a Abrão e disse-lhe: “Darei esta terra a tua posteridade.” (Gn 12, 5-7) Aqui começa a história do povo judeu e cristão. A promessa de que a descendência de Abraão formará uma grande nação ( na tradução grega da Septuaginta “ethnós”) constitui um legado que marcará toda a história da Igreja depois do rompimento com o judaísmo e marcou mesmo o povo judeu que enquanto “filhos de Abraão” reconhecem na aliança que Deus estabeleceu com o patriaca a eleição e convite para serem testemunhas do poder e da veracidade deste Deus frente aos seus vizinhos politeístas.

A aliança de Deus com Abraão é o marco religioso e político, porque o judaísmo identifica sem separar a vida política da vida religiosa a missão designada por Deus de serem testemunhas através da atitude singular de Deus em querer participar da vida dos homens, e ser testemunha significa para o judaísmo cumprir com a lei que Deus mais tarde entregará a Moisés no Sinai. O judaísmo portanto, não separa a vida religiosa da vida política e isto é marcado apesar da advertência divina, quando o povo pede ao profeta Samuel que escolha um rei para os governar porque este profeta já era velho (ISm 8,5). No tempo de Samuel quem governava o povo hebreu eram os Juízes que agiam como mediadores entre o povo e Deus. Eram servos de Deus que se colocavam abaixo da lei divina para governar o povo e mantê-los fiéis a aliança feita entre Deus e Abraão. A partir da herança dos juízes bíblicos já percebemos que há uma diferença enorme entre os reis persas, egípcios e caldeus e o rei judeu, pelo menos na teoria.

 Qual é a diferença? A diferença é que os egípcios, persas, caldeus viam seus reis como deuses, como entidades divinas encarnadas, enquanto os judeus sabiam que o seu rei era um homem escolhido pelo seu Deus para governá-los amparado pela lei que o próprio Deus havia entregado a Moisés no Sinai. Eis a grande diferença aqui entre fazer parte do “povo de Deus” e ser um persa, um egípcio ou um caldeu. Agora vocês podem me perguntar: beleza! Mas o que isso tem a ver com o cristianismo? Até agora você falou apenas da experiência religiosa do povo judeu, aonde Jesus entra nessa história toda? Eu explico: acontece que Jesus é descendente de David. Deixa-me terminar de explicar esta parte dos reis judeus. Quando o povo pede ao juiz Samuel que escolha um rei para eles, Deus escolheu Saul que pertencia a tribo de Benjamim. (Abraão foi o pai de Isaac que por sua vez gerou Jacó que teve 12 filhos dos quais as tribos ou clãs descendiam cada um de um destes filhos.) Benjamim era o filho mais novo de Jacó. E ao invés de dar à posteridade de Saul a hereditariedade do seu reino ele transfere para David o governo de Israel. David nasceu em Belém e era pastor de ovelhas. Deus promete a David que sua descendência governaria para sempre e o seu reinado nunca teria fim. (Cf. II Sm 7,9-16) É aqui que entra Jesus que por causa do casamento de Maria com José se torna descendente de David e nasce em Belém cumprindo uma profecia sobre o Messias que dizia: “E tu, Belém, terra de Judá, não é de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu povo”. (Miq 5,2) esta é apenas uma das profecias que foram feitas sobre o messias no antigo testamento.

 A responsabilidade cristã é oriunda, portanto da promessa que Deus faz a David de um reinado sem fim. Os judeus até hoje esperam o messias, este rei. Na época de Jesus muitos anunciavam o messias e se faziam messias incitando revoltas contra o império romano como é o caso dos zelotas. Com o anúncio do evangelho, Jesus anunciou um novo reino. Um reino dos céus no qual Deus é o verdadeiro Senhor e rei e que com a revelação de que Jesus enquanto filho de Deus também é o próprio Deus se torna também rei deste reino anunciado.

Os cristãos que inicialmente não se autodenominavam assim atestam a partir daí a ruptura com a política secularizada e se empenham em construir a nova Jerusalém governada por Jesus. Para construir e realizar o reino de Deus a argamassa e os tijolos são o testemunho vivo de fé dos cristãos que professam através da responsabilidade moral a qual são chamados. O cristão é um peregrino, um estrangeiro no mundo, porque o reino de Jesus não é deste mundo (Jo 18,36). O que justifica as perseguições por parte do império romano ligado ao culto pagão como parte da vida pública (uma vez que o imperador era visto como uma divindade e recebia culto junto com os deuses olímpicos). O que poderia ser interpretado como impiedade religiosa por parte dos romanos se tornava com esta ligação religiosa-política traição ao imperador. Como é muito bem exposto pelo padre Libânio: “Nesse universo político-religioso emerge com clareza o contraste com o procedimento dos cristãos que se negavam a prestar culto aos deuses e ao imperador. Pecavam contra a pietas romana, virtude religiosopolítica, muito diferente do nosso conceito atual de piedade.” (LIBÂNIO, João Batista. Qual o futuro do Cristianismo. p 66).

Mas não apenas os romanos foram perseguidores dos cristãos, os judeus antes deles já perseguiam o movimento que Jesus legara aos apóstolos (Cf. AT 8, 1b-3). Portanto, fica claro que o cristianismo sempre se posicionou em relação a política, tal qual os antigos profetas que anunciavam a salvação ou a desgraça do povo de Deus quando estes se desviavam da justiça. O cristão então se assume como testemunha de sua fé, testemunha do Cristo crucificado, entregando sua vida pela fé como modo de resistência pacífica as perseguições romanas.

O martírio de sangue é então a profissão de fé mais elevada, por que repete o ato de entrega de cristo para a redenção dos pecados. É mais elevado porque é a forma maior de depositar a esperança no amor de Deus. O cristão enquanto testemunha de sua fé e guarda do projeto salvífico de Deus tem a responsabilidade moral de cobrar da sociedade que ela seja mais justa, e que esta possa contribuir para que a dignidade humana não seja maculada, por valores que exaltem o prazer sem limites, o consumo desenfreado e a conduta pragmática que resulta na reificação dos seres humanos. Esta é a primeira parte do texto, na segunda parte apresentarei esta relação de compromisso à luz do catecismo da igreja.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Símbolo Cristão - Peixe (Ichthus)


Para inaugurar o novo blog apresento a tradução de um exercício do meu curso de grego antigo sobre o peixe como símbolo cristão(O blog leva o nome deste poste "Ichthus" sob o endereço "soteriologica" (discurso sobre a salvação). Os primeiros cristãos desenhavam o peixe na porta de suas casas usando - o como um código entre eles para não serem descobertos pelos seus perseguidores. Espero que gostem.

O peixe relembra o poder de Jesus nos arredores do mar da Galiléia. Tendo somente cinco pães e dois peixes repartiu-os para o povo e todos comeram. (Cf. Mc 6, 30-44).
Para os primeiros Cristãos as cinco letras da palavra "ICHTHUS" (Peixe) significa: Jesus, Cristo, Deus, Filho, Salvador.

Bibliografia

BRANDÃO, Jacyntho Lins. Maria Olívia de Quadros Saraiva. Celina Figueredo Lage. Helenika: Introdução ao grego Antigo. Belo Horizonte, Editora UFMG,2009 2°edição p.127