domingo, 26 de abril de 2015

O discurso do bom pastor e a natureza da pastoral

O evangelho deste domingo nos ensina o que é pastoral e o que se espera da pratica pastoral.
João reconstrói o discurso do bom pastor e ao reconstruí-lo apresenta o paradigma que a vida cristã deve refletir enquanto experiência concreta de encontro com Deus.
Uma das coisas que chama a atenção na redação do texto joanino é o uso do verbo grego títhemi (dispor, colocar de pé) quem foi traduzido em português em várias edições da nossa bíblia por dar (no sentido de doar).
Porque esse verbo chama a atenção? porque títhemi é um verbo que expressa uma forma de organizar alguma coisa de pôr algo de uma maneira tal, essa é a acepção mais antiga do uso do verbo títhemi, daí o uso de títhemi como dispor (dispor no sentido de organizar), porém o evangelista joga com o uso do verbo e lhe emprega com um duplo sentido: primeiro, o sentido de se colocar em uma posição em relação as ovelhas, uma posição diferente da posição assumida pelo mercenário. Segundo, títhemi é dispor no sentido de abrir mão, de doar como geralmente aparece nas traduções correntes desse belíssimo texto joanino.
É desse modo, que João desenha para nós aquilo que entendemos por pastoral. O bom pastor que é Jesus que por meio do amor assume o cuidado radical para com suas ovelhas, por isso dispõe de si mesmo por elas, se coloca em um ato de deslocamento de si em função de suas ovelhas. A pastoral é o nome que damos a esse gesto de dispor de nós mesmos pelo outro, pode começar na Igreja, na escola, na família. Mas como Jesus também espalhou as sementes do reino a todos os lugares, Nós também somos convidados a dispondo de nós mesmos cuidar do reino cuidando dos irmãos necessitados. Fazer pastoral é um gesto de doação integral do que somos para os outros, só faz pastoral quem faz o gesto de entregar de tudo o que é. Há muitos miseráveis que precisam receber na forma da doação pastoral ao menos as migalhas do Cristo que caem como um pão na alma de tantos que ainda não tiveram a oportunidade de se encontrar com Jesus.
Não sejamos como o mercenário que ao ver o lobo foge e deixa as ovelhas perecerem. O bom pastor nos convida a ajudá-lo a cuidar do rebanho, não deixar que morram de sede, para isso levemos a palavra de Deus, que não morram de fome, para isso levemos o pão da vida. O bom pastor valoriza a vida das ovelhas, por isso devemos valorizar cada irmão que Deus nos confia. Deus nos convida a sermos pastores uns dos outros, cuidar é valorizar e o valor é estipulado pela nossa capacidade de dispor de nós mesmos pelos outros.
Pastoral é mais do que um grupo ou movimento é uma atitude concreta de amor que exige de nós uma entrega total pelo outro imitando o gesto de Jesus, o gesto de amor que ele fez por nós, Jesus o bom pastor e cordeiro, duas formas de se entregar para salvar pelo ato da entrega, doando o que tem de mais precioso, ele mesmo.
Brener Alexandre 26/04/2015

domingo, 5 de abril de 2015

A Páscoa do Senhor - Do sacrário vazio ao sepulcro vazio

Estamos chegando ao fim de mais uma semana santa, de mais uma páscoa do Senhor.
Começamos no Domingo de Ramos que recorda a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém e com esta recordação também nos introduz no mistério pascal.
De fato, no Domingo de Ramos a liturgia como que nos introduz, tal como Jesus conduzido Jerusalém adentro, no mistério que será celebrado no Tríduo da Páscoa.

O Domingo de Ramos é como que uma introdução porque na forma de uma sinopse nos conduz para dentro da celebração do Tríduo Pascal. É provável que passe despercebido, mas o Domingo de Ramos possui duas ações litúrgicas distintas.

A primeira é a benção e procissão dos ramos na qual é feita leitura do Evangelho em que se conta sobre a entrada de Nosso Senhor na cidade Santa e somos convidados a repetir esse gesto caminhando e louvando Jesus como nosso rei como os judeus fizeram naquele domingo.

A segunda ação litúrgica é a santa missa na qual as leituras são justamente as leituras da paixão e morte de Jesus na Cruz na sexta-feira Santa. Vejam como o Domingo de Ramos nos introduz no mistério Pascal tanto no ato contemplativo da santa missa como na rememoração da aclamação e entrada de Jesus em Jerusalém. O Domingo de Ramos também nos recorda como somos volúveis, pois outrora aqueles que gritaram “Hosana” no domingo gritaram “Barrabás” e “Crucifica-o” na sexta feira e nós também tantas vezes bendizemos a Deus e outras vezes nos queixamos dele ou com ele. Assim o Domingo de Ramos exerce um papel análogo ao de uma introdução de um livro, pois a introdução de um livro tem como finalidade maior apresentar o conteúdo programático da obra o método usado pelo autor para coletar as informações e em alguns casos uma sinopse esquemática da obra para que não nos percamos ao longo da leitura. O domingo de ramos também apresenta essa sinopse esquemática prefigurada nas duas ações litúrgicas que nos dá o método enquanto caminho que percorreremos assumindo diversos papéis e pontos de vista que nos permite meditar e experimentar Deus na santa liturgia da páscoa e assim apresenta para nós o conteúdo programático da semana santa e de tudo o que será vivido no Tríduo Pascal.

Mas quero chamar atenção justamente para o Tríduo esses três dias que compõem uma grande celebração da Fé Cristã Católica e que começa com a missa da Instituição da Eucaristia e com o lava pés dois momentos especiais, pois a Instituição da Eucaristia é também a instituição da nova aliança em Cristo, além de ser a Eucaristia o memorial perpétuo da paixão de nosso Senhor. As leituras remontam o lava pés gesto de Jesus que nos instrui para o serviço dos irmãos e também ao mandamento maior do Evangelho, o de amarmos uns aos outros tal qual Jesus nos amou, esse amor do qual já falei em outro lugar (no meu texto Ágape) nos tira do centro sem que saiamos do lugar, pois, o centro é sempre o Cristo visto no irmão. A missa termina com uma vigília em torno de Jesus no santíssimo sacramento atendendo ao pedido que ele fez ao seus discípulos “orai e vigiai” e no qual meditamos e acompanhamos a sua angustia pouco antes de sua prisão e morte.

Nesse momento o sacrário que é o lugar onde depositamos a hóstia salutar fica vazio e permanecerá assim até a grande vigília de Sábado. A sexta feira amanhece silenciosa e começa com a via sacra. Depois de acompanharmos a angustia de Jesus contemplamos a sua via dolorosa acompanhando passo a passo, estação a estação cada instante do sofrimento que Jesus passou para pagar com o preço do seu sangue a nossa Salvação.
É na sexta feira que reconhecemos que a Cruz passa a ser para nós um sinal da graça de Deus, a cruz um terrível instrumento criado como ferramenta de tortura e símbolo para os judeus de maldição se torna para nós um sinal do amor infinito de Deus. O sacrário está aberto, a luz que indica que Jesus está lá presente e vivo foi apagada, “Levaram o nosso Senhor!” Jesus morre na cruz e se sente sozinho, desamparado. Os discípulos que o seguiam sentem o fracasso com a morte de Jesus sentem-se como o Templo sem o Santo dos Santos e nós também nessa sexta feira silenciosa como um sacrário aberto sentimos que Deus nos foi tirado.

A vigília do Sábado começa a noite somos mergulhados nas trevas, pois a luz do mundo foi apagada na cruz, a Igreja tomada pela escuridão acolhe o círio pascal e o fogo novo juntamente com muitas velas acesas, nós também somos chamados pelo batismo a ser luz do mundo e sal da terra. Na grande vigília prevalece a esperança acesa pela memória das inúmeras vezes em que Deus salvou o seu povo, da Criação até a gloriosa ressurreição de Jesus.

A vigília transforma o coração tomado pelas trevas do desespero em um sacrário brilhante e iluminado pela Luz do Cristo Ressuscitado. O sacrário vazio foi preenchido novamente com o pão do céu, o verdadeiro maná, iluminado pela verdadeira luz que já não mais poderá ser apagada pela morte. Agora é o Sepulcro que está vazio, era preciso que o sepulcro fosse esvaziado para que o sacrário pudesse tornar a ficar cheio, assim como o nosso coração que transborda de alegria pascal com a boa notícia da ressurreição de Jesus. Esse mesmo Cristo que como diz São Paulo se esvazia a si mesmo na Cruz por nós, esvazia o sepulcro para que a vida triunfe sobre a morte e a alegria verdadeira, sobre a tristeza momentânea e a Luz verdadeira do “sol que vem do alto nos visitar” sobre a noite escura que irrompe em nossos corações quando acossados pela falta de esperança.

Enfim, Cristo Ressuscitou, Aleluia! E passamos do sacrário vazio ao Sepulcro vazio mais uma vez na certeza de que ele vive e reina para sempre a direita de Deus.
Feliz páscoa do Senhor Jesus a todos e que a sua paz, a verdadeira paz esteja sempre com todos vocês!


quinta-feira, 2 de abril de 2015

Ágape

Estava pensando nesta manhã de quinta-feira santa sobre o ágape que os cristãos latinos chamavam caritatis, pensando no paradoxo que essa forma de amor exprime quando dispersa o que deve permanecer unido e une o que está aparentemente disperso.
Falo por experiência própria, afinal, escolhi me afastar da minha comunidade de fé para não “fechar as portas do reino” (MT 23,13) porque não queria que o meu zelo fosse pedra de tropeço para os outros.  Do mesmo modo, que nos afastamos de alguém que amamos para não escandalizá-la com o nosso afeto, posto que às vezes esse afeto mesmo bonito nos é causa de queda.

A fé cristã é um paradoxo maravilhoso, suas exigências transbordam do mistério de Deus e só pode ser perscrutado porque quem não se contenta em apenas molhar os pés, mas que de fato deseja ir “para as águas mais profundas”.  De fato, essa forma de amor especial que coloca o outro no centro valorizando-o e que exige de nós que deixemos de lado nossos projetos particulares para se colocar à serviço ainda que esse serviço seja à renúncia de nossas ambições mais corriqueiras como a fama e o prestígio na vida social. Com efeito, esse amor que São Paulo apresenta muito bem como aquela que: “é paciente, prestativa, não possui soberba e não procura o próprio interesse, não se irrita e não guarda ressentimento; e ainda não se contenta com a injustiça e se agrada da verdade.” (1Cor 13, 4-6) Ora, somos imperfeitos na caridade, nesse abster-se de nós mesmos para se pôr à serviço do outro. Mas somos chamados constantemente a procurar a perfeição na caridade, pois, a caridade é graça que abunda do mistério de Deus.

Somos convidados ao silêncio obsequioso que evita o julgamento dos irmãos (e peço perdão pelas vezes que julguei quando deveria me calar).
Somos convidados a se afastar quando já não podemos contribuir para o crescimento dos irmãos (e peço perdão por meu fracasso quando Deus confiou seus talentos e eu não fui capaz de dobrá-los).
Somos convidados perdoar a covardia e falta de sinceridade dos irmãos que não nos compreenderam, dos irmãos que nos julgaram e que Deus confiou a nós. (e peço perdão pelas vezes que fui covarde e quando optei pela omissão seja para me proteger seja para proteger os outros e ainda peço perdão pela falta de paciência e pelo juízo precipitado para com os meus irmãos).
Somos convidados a dispersos nos unir e unidos nos dispersarmos para que a palavra de Deus feita semente frutifique como é da sua vontade. Que cada um semeie com os dons que Deus lhe deu ofertando a si mesmo e doando-se como o Cristo se doou e continua a se doar por nós.

Reconheço que muitas vezes deixo a desejar como Cristão, que muitas vezes falho com o evangelho, e por isso, peço a Deus que me ensine a ser mais caridoso servindo aos irmãos com inteligência (dom que me foi dado), com coragem (força que me impele a agir) e justiça (pois para Deus a caridade e a justiça se encontram abraçadas).

Não sou parte de vós, mas sou um como vós. Não somos iguais, mas somos semelhantes.

O paradoxo da caridade reside no mistério da paixão de modo peculiar porque Deus sendo Todo poderoso não usou de força para salvar, mas usou de amor: paciente e prestativo que tudo desculpa e tudo suporta para nos salvar e esperou de nós uma resposta livre e sincera de acolhimento desse amor que nos tira do centro sem nos deslocar dele para que “amassemos uns aos outros como ele nos amou” (Jo 13,34).
Não nos esqueçamos do que nos une a videira, do qual somos parte e da unidade à que somos chamados símbolo perpétuo da nossa fé.