terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Tradução e comentário à MT 6, 7-15 "Pai nosso"

       A liturgia católica nos permite viver ao longo do ano diversos momentos da vida de nosso salvador.
A quaresma enquanto parte desta celebração nos convida a viver através da reflexão sobre a práxis cristã. E dentro do universo de trechos bíblicos que a Igreja separou para este momento de reflexão importante para um cristianismo autêntico. Para o dia de hoje foi selecionado o trecho do evangelho de Matheus capitulo 6 versículos 7 ao 15. Neste trecho do evangelho nos é apresentado uma das versões do Pai nosso (a outra se encontra em Lc 11, 1-4).
Gostaria de propor uma releitura desta passagem em que eu não valorizo a oração do “pai nosso” enquanto oração, mas como uma ação transformada em oração. O evangelista nos apresenta uma seqüência de lições que Jesus dá ao povo sobre práticas religiosas diárias, como: Jejum, orações particulares, o exercício da caridade. (esse texto com estas lições foi a leitura do dia da quarta-feira de cinzas) Logo a seguir Jesus ensina que a oração não deve ser longa, repetitiva. “E quando for orar não fique tagarelando (battalogia) como é costume entre os outros povos. Supondo que serão atendidos por causa do seu muito falar.”(polilogia) (MT 6,7) A palavra “battalogia” tem um sentido de tagarelar, mas também pode significar gaguejar, um falar vacilante. O sentido aqui é o de falar sendo redundante repetitivo. Jesus parece até mesmo empregar um pouco de sarcasmo quando deduz que falam demais por que acham que é o número de palavras que vai garantir que a prece seja atendida. Uma vez que é a fé que move a prece a Deus e não o número de palavras.
        Jesus pede para que este gênero de oração seja evitado: “Não se assemelhem a eles, pois vosso pai bem sabe qual é a necessidade de vocês antes mesmo que o peçam”. (MT 6,8) E em seguida ensina o pai nosso como oração universal, isto significa que é uma oração que pode e deve ser feita por qualquer um que deseja se aproximar de Deus, se tornando intimo dele. A oração que Jesus nos ensinou tem dois momentos importantes que não se separam, pois se complementam e são a essência do evangelho como é muito bem dito pelo catecismo: (...) “ Depois de ter nos legado esta fórmula de oração, o Senhor acrescentou: ‘ pedi e vos será dado’ (Jo 16,24). Cada qual pode, portanto, dirigir ao céu diversas orações conforme as suas necessidades, mas começando sempre pela Oração do Senhor, que permanece a oração fundamental.” (Cf. Catecismo §2761). Não é que Jesus quer abolir o que hoje chamamos na Igreja de oração espontânea.
     Mas a oração do pai nosso traduz a vida daquele que se dispõe ao seguimento do Cristo como veremos a seguir. Jesus então diz: “Vocês devem orar deste modo: Nosso Pai que está no céus; santificado é o teu nome; Que venha o teu reino; seja feita (genétheto) a tua vontade (thélema) do mesmo modo no céu e sobre a terra.” (MT 6,9-11) Aqui temos o primeiro momento de que falei desta oração belíssima ensinada por Jesus. Primeiro o contato intimo com Deus chamando- o de Pai de todos e em seguida atribuindo justiça ao seu nome, sim justiça porque ser santo é ser justo no antigo e no novo testamento. Depois os dois pedidos importantíssimos do qual depende a segunda parte do pai nosso.
    Primeiro o desejo que se instaure o reino de Deus, isto significa um comprometimento com a sua aliança e o desejo vivo de ter Deus sempre próximo presente na nossa história caminhando conosco até a Jerusalém celeste. Mas para que o reino venha é necessário que a vontade de Deus seja realizada, esse desejo que é o de vida digna, de igualdade perante a lei (positiva que deve ser espelho da lei divina) vontade que deve começar no céu e descer por sobre toda a terra enchendo o coração humano do desejo de Deus por vida plena e sobre tudo justiça.
    E a oração continua: “O pão nosso necessário para cada dia (epiousíon) nos dá hoje; Perdoa as nossas dívidas do mesmo modo com que perdoamos aos nossos devedores; e não nos introduzas na tentação, mas no livra do mal (ponérou). (MT 6,11-13) Na segunda parte que não é menos importante que a primeira o pão necessário para cada dia (epiousíon) é a marca do que nada me falte que é necessário para que eu tenha uma vida digna. Depois as linhas que eu considero as mais importantes da oração o incentivo ao perdão, marca única do judaísmo e consagrada por Jesus no seu ministério levando ao pleno entendimento referente ao desejo de Deus expresso em Os6,6 “Quero a misericórdia e não o sacrifício” perdoar as dívidas do mesmo modo que esperamos ser perdoados por Deus, parece uma espécie de troca que fazemos com Deus esperando dele misericórdia e clemência pelos nossos pecados.
   No entanto a lógica é outra. Deus não nos deve nada e não nos julga por estar digamos assim numa posição privilegiada em relação a nós suas criaturas manchadas pelo pecado. O incentivo pelo perdão é o reconhecimento de que todo ser humano merece uma sentença justa da parte do seu próximo, uma vez que ele também erra, aceitar as limitações do outro é um desafio a vida comunitária, por isso o perdão é tão importante. E infelizmente muito difícil de ser dado as vezes. Quantas pessoas não tem dificuldade de abraçar o outro reconhecendo com ele que o pecado caminha entre nós, mas que o amor de Deus e o nosso amor pelo próximo tem que ser maior que os erros, que o pecado.
    Por isso para mim os versículos finais deste trecho selecionado são os mais importantes porque explicam a essência do cristianismo: “Pois se perdoar as faltas dos homens o Pai que está no céus também te perdoará. Mas, senão perdoar os homens, tampouco o Pai perdoará as tuas faltas.” (MT 6,14-15) Digo explicam a essência porque o perdão é a forma sublime do amor pelo outro, perdoar aquele que se arrepende do que fez é melhor modo de acolher aquele que cai. O perdão é parte importante na pedagogia cristã.
    O pai nosso é um convite a fazer da nossa vida uma oração, a oração viva prefigurada no martírio, no testemunho do sonho de salvação que Deus nos deixou por herança por meio do ministério de Jesus até a sua morte na cruz e sua ressurreição. Jesus em vários momentos cura perdoando os pecados demonstrando essa misericórdia tão cara a Deus que ele demonstra querer mais que qualquer formalismo religioso. (Cf.Os 6,6) Jesus sendo a palavra de Deus encarnada, sendo o próprio Deus com um rosto humano revelando essa mesma misericórdia para aqueles que são oprimidos pelo pecado.
    Esta é a prova de que Deus não é indiferente a nossa condição de pecador, ao contrário ele quer nos resgatar e nos ensinar a resgatar nossos irmãos que padecem também desta enfermidade que é a falta do perdão e do amor. Sem o perdão o reino de Deus e a vontade de Deus não opera, sem o perdão de Deus não há humildade que nos mostre a face amorosa do Pai. Sem o perdão faltará o pão necessário de cada dia da nossa vida. Sem o perdão o pai nosso perde o seu sentido e se torna também “battalogia”, isto é, um discurso vazio, longe da proposta de nosso salvador de sintetizar e tornar mais intimo o nosso encontro com Deus.

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