Pequena introdução:
O panegírico sobre a pobreza é um dos diversos sermões
dominicais proferidos por Santo Antônio de Pádua (ou de Lisboa). Trata-se em primeiro
lugar de um texto do século XIII, e portanto, tanto o estilo como algumas
metáforas e figuras de linguagem podem ser de difícil apreensão.
A tradução que apresento abaixo não é uma tradução direta do
latim, mas sim uma tradução do castelhano: “San Antônio de Pádua. Sermones
Marianos. Trad. R.P.Serapio de Iragui, O.F.M. cap. Buenos Aires: Dedebec, 1946”
O panegírico se encontra nas páginas 183-190.
O texto é um elogio da pobreza. Pobreza x riqueza, pobreza x
avareza esse é o foco da pregação do doutor evangélico. Seu discurso é uma
exortação à renuncia, e um encômio à simplicidade. Santo Antônio parece ter
composto esse texto citando de memória as passagens da sagrada escritura, por
isso quase todas as referencias bíblicas são ligeiramente diferentes das
traduções modernas, algumas referências estão com um “sic” indicando que eu não
localizei na bíblia a referida citação e que ainda sim a citação foi informada
pelo tradutor argentino. É importante lembrar que Santo Antônio devia usar a
Vulgata de São Jerônimo como fonte bíblica oficial da Igreja da época e
possivelmente a Septuaginta também devia ser consultada por isso, é possível
imaginar as divergências de tradução entre a bíblia do século XIII e as
modernas traduções de que dispomos em tempos hodiernos.
A teologia da época também é bem diferente da moderna
teologia, por isso, o leitor moderno pode estranhar algumas analogias presente
em seu sermão.
Durante seu ministério em Pádua santo Antônio foi um critico
da avareza manifesta na usura dos nobres paduanos, por isso, com o seu exemplo
de vida abraçando a pobreza e a simplicidade do Evangelho na proposta de São
Francisco de Assis, notamos um discurso vivo no qual as palavras são
testificadas pelo testemunho de vida do doutor evangélico.
Espero que apreciem o texto e redescubram na pobreza a
simplicidade, buscando o que é necessário de fato para uma vida plena, e não a
opulência dos excessos, pois o que sobra pesa e nos desvia do caminho que nos
leva a casa do Pai.
abaixo segue o texto traduzido.
Brener Alexandre 26/06/2015
Panegírico sobre a Pobreza de Santo Antônio de Pádua.
Naquele tempo, José e a Mãe de Jesus escutavam com admiração
as coisas que dele se dizia... Entretanto, o menino ia crescendo e se
fortalecendo, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele (Lc 2,33,40).
Disse Baruc: Aprende, pois, onde há sabedoria, onde há força e onde há
inteligência, para conheceres ao mesmo tempo onde se encontra a longevidade e a
vida, a luz dos olhos e a paz. (Br 3,14) (Depois de comentar esses textos,
passa as aplicações. Vejamos no).
Oh, homem! Aprende esta sabedoria, para que sejais
judicioso, sábio, inteligente; aprende esta prudência, para ser precavido, esta
fortaleza para ser poderoso, este entendimento, para que conheças esta vida,
para que viva, este sustento, para que não desfaleças, esta luz para que vejas,
esta paz, para que descanse. Oh, Bendito Jesus! Aonde te encontrarei? Onde
poderei te encontrar? Uma vez que eu tenha lhe encontrado, onde encontrarei
tantos bens?
Busca e encontrarás. (Mt 7,7) Mas conta-me: Aonde moras?
Onde descansas ao meio dia? Quer saber aonde? Pois, na companhia de José e
Maria, de Simão e de Ana. Já o havíamos ouvido no Evangelho de hoje, em que
saem essas quatro personagens. Exponhamos o sentido moral dos mesmos.
José significa aumento. Quando um homem, miserável até o
momento, de repente abunda em delícias e nada na opulência, decresce, porque
perde a liberdade. O desejo de riquezas o escraviza; enquanto serve-a, descendo
de categoria (de se in se). Uma tal pessoa é, de fato, infeliz, posto que se
empequenece justamente porque tem bens temporais, os quais em vez de lhe estar
submetidos o dominam. Esta servil dependência se deixa perceber com clareza
quando se perde com dor o que se possuiu com amor. A mesma dor se converte em
grande escravidão. E o que mais? Somente na verdadeira pobreza encontrarás a
liberdade verdadeira. Deste José, aumento, nos fala o Gênesis: Deus me tem
feito prosperar na terra entre pobres e escravos. (Gn 4,52. Sic) Na terra da
pobreza, não na terra da abundância, Deus me fez prosperar; nela você vai
crescer; na abundância se vai decaindo. Por isso se diz no livro dos Reis: Davi
ia sempre a frente, e fazendo se mais forte, enquanto que a casa de Saul ia
decaindo a cada dia (2Rs 3,1 sic).
Disse o profeta real: quanto a mim sou pobre e indigente.
(Sl 40[39],18) que avança tal qual uma luz resplandecente e vai aumentando até
o dia perfeito, e algumas vezes se torna mais forte, pois é alegre e a pobreza
voluntária comunica robustez. E Isaías: O ímpeto dos poderosos, isto é: pobres,
é como um tufão que faz a parede balançar (Is 25,4 sic). Quer dizer as
riquezas, e Jeremias: até quando estás estragando-te em meio aos deleites, oh
filha perdida? (Jr 31,22)
Pois, a casa de Saul, vale dizer, a casa dos ricos deste
mundo que abusam dos bens e dons do Senhor com voluptuosidades corporais, vai
decaindo a cada dia.
As conseqüências nos descreverá Moisés: O Senhor te
castigará com a indigência, com calor e frio, com ardor e paixão, com a
corrupção do ar e a ferrugem e te perseguirá até que pereças. (Dt 28,22) O
Senhor castiga o rico, permite que o rico seja castigado com a indigência
porque sempre o vemos necessitado; com febre porque o atormenta e lhe
entristece a felicidade alheia; com o frio, o medo de perder o que adquiriu;
com o ardor de possuir mais e mais; com a paixão da gula; com a corrupção do ar
da má fama; com a ferrugem da luxuria.
Vede como vai decaindo a casa de Saul. Contudo, a casa do
pobre mendigo Davi cresce de virtude em virtude na terra de sua pobreza.
Falemos da humildade.
Maria, isto é, estrela do mar. Oh, Humildade soberana! És a
estrela refulgente que ilumina a noite, que conduz ao porto, aquela que brilha
como uma chama e conduz a Deus, Rei dos reis, que nos exorta: Aprende de mim
que sou manso e humilde de coração. (Mt11,29)
Cego estará e apalpará as trevas o que carece desta estrela;
seu barco será destruído pela tempestade e perecerá no meio das ondas. Conta-se
no Êxodo que o Senhor, olhando da coluna de fogo e nuvem o exército dos
egípcios os fez perecer. E emperrando as rodas de seus carros, caiam no fundo
do mar... Mas os filhos de Israel marchavam no meio do mar em seco tendo as
águas por muro à direita e a esquerda. (Ex 14,24-25.29) Os egípcios envoltos em
densas nuvens são os ricos e os poderosos deste mundo cobertos pelas trevas da
soberba, aqueles que o Senhor fará perecer, e emperrará seus carros de
dignidades e glórias que são conduzidos durante as quatro estações do ano e os
submergirá no inverno profundo. Mas os filhos de Israel, precedidos pelo
esplendor luminoso representam os penitentes e os pobres de espírito a quem
ilumina o resplendor da humildade; estes passam a pé enxuto pelo mar deste
mundo cujas águas ou inundações amargas se lhes faz de muro e lhe defendem da
direita da prosperidade e da esquerda da adversidade, isto é, fazem com que
nenhuma aura popular os deleite, nem a tentação da carne os precipite. Deles se
afirma no Deuteronômio: eles sugaram como leite as riquezas do mar. (Dt 30, 119
sic)
Não é possível sugar sem apertar os lábios. Aqueles que vão
com a boca aberta na posse das riquezas e da glória vã não conseguem sugar as
riquezas do mar em meio a popularidade. Dá muito trabalho separar o lobo do
cadáver, a formiga do grão, as moscas do mel, o bêbado do vinho, as meretrizes
do prostíbulo e os mercadores da praça. Do mesmo modo se expressou Salomão
dizendo no livro dos provérbios: A senda pela qual o jovem começou a caminhar
desde o princípio, essa mesma seguirá também quando for velho. (Pr 22,6)
Somente os humildes que cerram seus lábios para não degustar o amor temporal
sugam como leite as riquezas do mar.
Oh, estrela do mar! Oh, coração humilde que consegue
transformar em leite doce e agradável o mar amargo e horrendo! Como é doce para
o humilde a amargura! Como é suportável a tribulação sofrida pelo nome de
Jesus! Foram deliciosas para Estevão as pedras; as grelhas para Lorenzo e os
carvões acendidos para Vicente. Por Jesus sugaram como leite as riquezas do
mar. No verbo sugar (sugere) denota se a avidez unida ao deleite. Pois tão
somente a humildade unida a avidez de espírito sabe sugar a tribulação e a dor.
E por isso se lê no Cântico dos cânticos: quem me dera, oh meu irmão, que tu
fosses como um menino mamando nos seios de minha mãe? (Ct 7,1 sic) entram aqui
três personagens: a mãe, a irmã e o irmão. A mãe é a penitência e tem dois
seios: a dor na contrição e a satisfação na tribulação. A pobreza se faz às
vezes de irmã e o espírito de humildade de irmão.
Disse, pois, a irmã pobreza: quem me dera, oh meu irmão ( =
espírito de humildade), aquele que com avidez estava mamando os seios de minha
mãe? O irmão e a irmã são José e Maria, esposo e esposa, a pobreza e a
humildade. Aquele que tem esposa está casado. Feliz o pobre que toma a
humildade por esposa.