terça-feira, 25 de setembro de 2012

Reflexão sobre MT 5, 43-48


Texto originalmente publicado em http://breneralexandris.blogspot.com dia 19/11/2011


Este post surgiu depois de uma rápida conversa via twitter a partir de uma citação uma frase sobre o desprezar quem nos "odeia" eu a respondi exatamente com este trecho do evangelho de Matheus. Então resolvi recuperá-lo texto fazendo a minha própria tradução do texto grego e comentá-la tanto do ponto de vista exegético quanto hermenêutico, tarefa que não sei se vou conseguir fazer com êxito. Longe de tentar fazer um proselitismo biblíco meu intento é bem mais humanista do que o de valorizar uma religião específica, me identifico como cristão muito antes de qualquer denominação religiosa: católica, prostestante, ortodoxa e afins. E portanto quero refletir filosoficamente (na medida em que isso é possível) e teologicamente (levando em conta o objeto de análise) sem valorizar o que prega esta ou aquela comunidade religiosa (o que de certo modo mataria o texto analisado). Então passamos a tradução do texto e a seguir o comentário a seu respeito.

"Ouvistes o que foi dito:"Amarás(agapéseis) o teu próximo e odiarás(miséseis) o teu inimigo". Mas eu vos digo: "Amai (agapate) os vossos inimigos e orai em favor daqueles que vos perseguem, afim de que sejam (génesthe) os filhos do vosso pai que está nos céus, porque ele faz levantar o sol sobre os perversos (poneróus) e sobre os bons (agathóus) e faz chover sobre os justos (dikaióus) e os injustos (adikóus).
Se pois amastes (agapésete) os que vos amam (agapontas), que mérito (misthón) teréis? Não é assim que agem os cobradores de impostos? e se comprimentares apenas os vossos irmãos, o que fizestes de excepcional? Não é assim que agem os pagãos? vós deveis ser perfeitos (téleioi) assim como o vosso pai, o celestial é perfeito (téleiós)." (MT 5,43-48).

É importante lembrar que o Evangelho de Matheus é o segundo a ser escrito de acordo com Konings: "O evangelho de Matheus surge depois do ano 70 d.c. É como se fosse uma "nova edição revista, atualizada e aumentada de Marcos." (Konings,Johan. A palavra se fez livro, p.57). E embora o texto tenha sido escrito no dialéto koiné (comum ou vulgar) o vocabulário é rico de significação, moral e religiosa e acima de tudo resgata do ponto de vista teológico a revelação de um Deus que não faz distinção entre os homens, o que isso significa? significa que Deus tem como projeto salvífico alcançar toda humanidade com a sua misericórdia e justiça. Em outra passagem ainda no Evangelho de Matheus e ainda nos discursos que ocorrem depois do sermão da montanha(do qual este trecho faz parte). Jesus afirma: "Não julgueis (nomísete) que eu vim para anular (katalysai) a lei (nómon)ou os profetas. Não vim para os anular (katalysai) mas para completá-los (plerosai)." (MT 5,17)Com isto Jesus revela o verdadeiro papel da lei mosaica que era o de orientar o povo eleito de Deus frente as culturas pagãs.

E também revela o intento de Deus ao eleger um povo inteiro como testemunha do seu projeto de salvação o qual pretende estender a toda humanidade. E com isso fica patente o sentido de perfeição que Jesus atribui ao pai e exige dos filhos deste mesmo pai uma vez que gerados (génesthe) pelo seu amor e guardiães do seus mandamentos. primeiro analisarei o verbo "génesthe" e concebê-lo ontologicamente enquanto ser e gerar, pensar que os que são filhos de Deus, o são porque foram gerados pelo amor dele, estão acima do ato criador de Deus e por isso chamados a participar da perfeição de Deus. E agora sim conceber o sentido de perfeição (téliós) palavra grega que indica mais um acabamento de uma ação (dizemos que uma estátua é perfeita quando ela está completamente terminada). Em outras palavras a perfeição exigida aqui é ser de tal modo que a humanidade esteja acima dos nossos pequenos desejos e satisfações pessoais, é uma exigência dificil de ser cumprida é verdade, mas neste caso a perfeição (téleiós) é equiparada a outro termo grego consagrado por meio da filosofia antiga e que será incorporada a cultura cristã nos séculos posteriores, a saber o conceito de areté (excelência) mas que ficou consagrado pela tradução latina de "virtude". E por que é possível equiparar estes dois termos: perfeição e excelência? porque a areté cujo a raiz etimológica é aristós (o melhor ou ótimo) tem a ver com o realizar de modo eficaz uma ação, e de certo modo significa ser perfeito, na medida em que a ação é realizada adequadamente ela é completa e portanto perfeita. E é neste sentido que se exige a perfeição no sentido de sermos humanos ao ponto de nos divinizarmos e sendo divinizados nos humanizamos e nos acolhemos uns aos outros.

Como eu disse é um trabalho díficil de ser executado porque somos constantemente interpelados pela cultura, pelos prazeres e pelo instinto.
É possível falar da agapé enquanto amor no sentido forte de charitas ou caridade tal como o cristianismo incorporou ao longo dos séculos em oposição ao sentido que eros (o amor vinculado ao desejo e sua dimensão erótica) e philía (comumente traduzida por amizade, mas também carrega os traços do desejo carnal). Eu diria que Agapé neste trecho do evangelho carrega sim o sentido consagrado pela igreja do primeiro século, no entanto o amor aqui deve ser encarado de uma forma mais branda ligada a tolerância e acolhimento, Vale lembrar a parabóla do bom samaritano (Lc 10, 25-37) quando Jesus pergunta ao doutor da lei: "Qual destes três parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões?" (Lc 10,36)A resposta do doutor da lei é paradigmática: " Aquele que usou de misericórdia para com ele". (Lc 10,37) o termo misericórdia aqui é "Éleos" literalmente compaixão, misericórdia é em outras palavras conduzir o outro para o seu coração, acolher o outro por inteiro, com suas dores e alegrias.

O próximo é qualquer pessoa com a qual agimos com essa misericórdia, não é o fulano da igreja, da escola ou o nosso irmão de sangue, não precisa ser um concidadão de nosso país, estado ou cidade, o próximo é qualquer um, do vizinho ao mendigo. Por isso amar o inimigo embora díficil é equivalente com o amar o teu próximo, agir sem fazer distinção se a pessoa simpatiza ou não com você é um gesto que nos aproxima de Deus, nos tornando filhos deste pai celestial. E por isso Jesus nos interroga: Se você ama só quem te ama, qual é o teu mérito (místhon)? Essa palavra místhon pode ser traduzida por recompensa ( costuma aparecer nas traduções correntes da bíblia) Mas eu optei por traduzir por mérito pensando no paralelo com a noção de dignidade. Jesus continua perguntando: " Se você comprimenta apenas as pessoas que fazem parte do seu circulo social(os irmãos), o que você faz de excepcional? Não é que jesus espera que toda vez que saíamos na rua a gente diga oi para pessoas que a gente nunca viu na vida, (Embora eu mesmo já fui comprimentado diversas vezes por pessoas idosas na rua que eu nunca vi na vida e isso nunca me fez pensar que um bom dia ou boa tarde fizesse mal a alguém) o que Jesus está dizendo é não fazer a diferença é literalmente ser mais do mesmo, é tornar a existência mediocre e inautêntica em favor do medo e do egoismo.

A exortação de Jesus é humanista porque tira o homem da esfera do olhar meramente cultural e regasta o valor universal e supremo da humanidade, coisa que o judaismo formalizado de seu tempo não conseguia fazer e que infelizmente muitos "fiéis" também não conseguem fazer, presos em uma visão limitadora da vivência religiosa e ignorando que a verdadeira experiência de Deus, sobretudo no cristianismo brota da práxis, da ação cotidiana de cada um, nas palavras do filme Todo poderoso: "seja você o milagre"!

sexta-feira, 16 de março de 2012

Comentário à parábola do pai misericordioso

Durante a Quaresma tenho meditado sobre o perdão como um dos pilares fundamentais da ética cristã proposta por nosso Salvador. No entanto ao longo das semanas meditando as leituras do antigo testamento tenho percebido que o perdão não é uma novidade cristã, mas que já está presente no judaísmo e no profetismo antigo.

O perdão é tão importante para os nossos irmãos judeus que eles dedicam um dia do ano para celebrá-lo. O Yom Kipur, o dia do perdão compõe o calendário judeu e faz parte da liturgia judaica. Se por um lado os judeus dedicam um dia para celebrar o perdão, os cristãos o celebram todos os dias na missa através do ato penitencial e no sacramento da reconciliação.

Momento no qual reconhecemos nossas limitações e nossa condição de pecador e buscamos através do perdão a cura das nossas misérias para então se esvaziando do pecado possamos nos preencher da santidade oferecida na sagrada Eucaristia. Para tanto, tenho meditado algumas passagens sobre o perdão no Evangelho, aproveitando o caráter penitencial da Quaresma.

Comecei com a oração do Pai-nosso e agora com a parábola do filho Pródigo buscarei demonstrar a pedagogia do perdão proposta por nosso Salvador. Seguirei o mesmo esquema do Pai-nosso postarei o texto e o comentarei em partes ou em linhas enfatizando as várias camadas que a parábola apresenta.

Parábola do pai misericordioso (Lc15,1-3.11-32).

“Todos os publicanos e pecadores se aproximavam dele para ouvi-lo. E os fariseus e os escribas murmuravam entre si: ‘ Este homem recebe os pecadores e come com eles. ’ Então Jesus contou-lhe esta parábola: ‘Um homem tinha dois filhos. E o mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a minha parte da herança (ousía).’ O pai dividiu os bens (bíos) entre eles. E depois de alguns dias o filho mais novo ajuntou tudo o que possuía e partiu para um país distante e dissipou (dieskorpizen) a sua herança levando uma vida dissoluta (zoon asotós).

Nesta primeira parte da narrativa temos de um lado o filho mais novo pedindo o que é seu por direito da herança (ousía) paterna. É muito interessante como Lucas sendo grego conhecia muito bem o tesouro linguístico que a língua grega oferece. Primeiro coloca na boca do filho o pedido pela herança (ousía) termo tão consagrado na filosofia entendido no seu sentido mais comum como o patrimônio familiar, ou patrimônio construído no seio de uma tradição familiar. Depois Lucas escreve: ‘O pai dividiu os bens (bíon) em grego literalmente o evangelista escreve separou entre eles o viver (tón bíon).

Bíos é vida assim como zoé, mas o seu significado é diferente de zoé . Enquanto zoé é vida no sentido de ser dotado de movimento (expressa o sentido da palavra latina "anima" quando falamos dos animais, isto é de seres vivos porque estes se movimentam e tem capacidade de sentir), bíos é vida no sentido de "o que engloba o viver", aquilo que torna a vida possível, bíos é também o modo de viver de alguém ( Desse modo a biologia estuda a vida não apenas no sentido de estudar os animais, mas todas as "formas de vida", falamos em bioma como o lugar ou habitat de animais e plantas).

Então, ousía e bíos significam no primeiro momento a herança que Deus deixa aos homens através da aliança e o modo de vida que Deus oferece aqueles que se aliam a ele. No entanto, o filho mais novo pega o que recebeu, viaja para um país distante e lá dissipa (dieskorpizen) e leva uma vida dissoluta (zoon asotós).’

Note-se no vocábulo dieskorpizen, um verbo composto "dia" mais "skorpizo". Skorpizo significa dispersar, separar e a preposição "dia" também indica quando associada ao verbo a intenção de dividir alguma coisa acompanhando da expressão: vida dissoluta (zoon asotós) o vocábulo asotós significa libertinagem, desordem, ou seja uma vida desregrada o fez dispersar o tesouro precioso que seu pai havia lhe transmitido. Zoon não é o modo de vida, mas o modo de conduzir a vida. Isso quer dizer aquilo que fazemos com a nossa vida, as escolhas que tomamos no dia-a-dia.  Essa vida vivida em em asotía, isto é, em libertinagem também é sem salvação, pois etimologicamente asotós é composto de alfa privativo (por exemplo, em "apatia" que significa literalmente sem paixão, indiferente) mais o verbo sozo que significa salvar, conservar algo.

 Os pecadores que Jesus recebe são aqueles que receberam a herança e a dissiparam. Depois Jesus continua: ‘Depois que dissipou tudo o que possuía e houve uma grande fome naquele país, ele começou a passar privações. Foi então, empregar-se com um dos homens daquela região, que o mandou cuidar dos porcos. E desejava matar a fome com as bolotas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava.’ Esse momento da parábola é fantástico porque trata da condição em que o pecado nos coloca.

O pecado, com efeito, tira a nossa dignidade, nos reduz a uma condição de miséria plena. Grandes filósofos e teólogos como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino compreenderam muito bem que o pecado tira de nós a liberdade, nos legando uma tal condição em que não podemos escolher o modo de viver. Desse modo, ficamos presos a necessidade de satisfação dos desejos e somos incapazes de sair do circulo vicioso que o pecado nos impõe.

Todavia, o modo como isto é contado na parábola é assombroso. Primeiro, porque o jovem faminto busca um trabalho para ter dinheiro para se sustentar. Observemos que a vida de luxo-ria que ele levava não reflete a boa vida que ele tinha junto do pai e do irmão mais velho. O bem viver não consiste como já era dito por filósofos não cristãos em viver satisfazendo os seus prazeres (sexuais, gastronômicos e estéticos). Mas, em viver com justeza, e ou harmonia com o universo, o que os filósofos e teólogos cristão substituirão por viver na graça de Deus e em busca de Deus.

Depois, o filho mais novo é empregado por um homem daquele país e tem o encargo de tratar dos porcos. Todo judeu sabia e Jesus não era uma exceção a regra, que o porco era um animal impuro e, portanto não podia ser comido. Porém, imaginem aqueles fariseus e escribas, publicanos e pecadores ouvindo de Jesus que aquele jovem estava com tanta fome que queria comer do que era dado aos porcos. Se nós hoje em dia que consumimos carne de porco não podemos sequer pensar no que é dado para estes animais, imagina um judeu? Sobretudo um fariseu que conhecia a lei e a tinha bordado nas faixas de suas vestes, para externalizar que as conhecia, que evitava a impureza e o pecado.

A parábola é muito bem construída. Tomando as tradições e costumes do povo judeu de modo a propor uma visão da condição humana. A parábola mostra o retrato daquele que cai e se torna escravo do pecado.

Mas eis que de repente: ‘Voltando a si disse: quantos empregados de meu pai têm pão com fartura e eu passando fome. Vou-me embora para a casa do meu pai e dizer a ele: ‘ Pai, pequei contra o céu e contra ti, já não sou digno (axios) de ser chamado seu filho. Trata-me como um dos teus empregados.’ Esse voltar a si ( eis eauton elthon) é o ponto de conversão. Momento daquele "clique" mental. Quando ele reconhece que ‘não é digno (axios) de ser chamado filho começa o movimento para a liberdade, mas ainda não chegamos no perdão.
 
O jovem pensa em receber do pai o tratamento dado a um empregado. O empregado na esfera familiar da antiguidade tinha pouca ou nenhuma dignidade, era uma ferramenta animada dos proprietários (tanto a palavra grega "doulos" quanto a palavra "ancillae" exprimem a o sentido de servidão análogo ao do escravo). O pai daquele jovem tratava bem os empregados de modo que o pão era farto. O jovem então: ‘voltou para a casa do seu pai. Ainda estava longe, quando o seu pai o viu, encheu-se de compaixão, correu, lançou-se ao seu pescoço, cobrindo-o de beijos. O filho disse-lhe: ‘Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno (axios) de ser chamado seu filho. ’

O pai, porém,  disse aos seus servos: ‘Ide depressa, trazei a melhor túnica e vesti-o com ela, ponha-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho cevado e matai-o; comamos e festejamos, pois este meu filho estava morto (nekrós) e tornou a viver (anezesen) estava perdido (apololos) e foi encontrado (eurethé). ’ E começou a festejar.

 Chegamos a um momento importante da parábola, porque podemos imaginar a angustia do pai que no gesto de respeito, ainda que o seu filho, o mais novo, o mais inexperiente, tomando posse do seu patrimônio o dissolve. Gastar tudo o que foi construído com suor e muito trabalho. Aquele pai mesmo sabendo que o seu filho não seria sensato e mesmo assim respeita o seu desejo de receber sua herança e de partir para o mundo.

Esta é a metáfora que Jesus usa para mostrar como é a nossa relação com Deus. Deus não aponta para nós nossas limitações e confia a nós o seu patrimônio e muitas vezes achamos que sabemos o que estamos fazendo até que nos damos conta de que não somos dignos de ser chamado de filho, mas que se o pai quiser pode nos tratar como empregados.

E a atitude do Pai é emblemática, o Pai podia ter esperado o filho chegar pedir desculpas, ou mesmo passar um sermão antes do filho dizer qualquer coisa e o que o pai fez? Ele viu o seu filho tomado pela miséria e  tomado de compaixão, o pai entendeu a dor de seu filho. O pai então, corre, lança-se sobre o pescoço do rapaz e o beija, O filho pede perdão, mas o pai não quer saber, o que importa é que ele voltou! O que importa é que o filho estava ali. E o pai manda seus servos escolher a melhor veste, por um anel no dedo e sandálias nos pés e mais manda que um novilho gordo recém alimentado seja morto e que uma grande festa seja dada pela volta do jovem.

O pai que outrora estava triste e angustiado pelo filho perdido agora exclama: ‘ ele estava morto (nekrós) e voltou a viver (anezesen) estava perdido (apololos) e foi encontrado (eurethé).’ Nekrós é geralmente usado em grego pra designar o corpo morto, o cadáver.

Enquanto que o verbo anazao significa praticamente ressuscitar, ou literalmente reviver porque a preposição “ana” indica o movimento de baixo para cima e o verbo zao que deu origem ao substantivo zoé significar dotado de vida, de movimento. Apololos significa perder, aniquilar, destruir. Estar perdido é se deixar destruir, corromper pelo pecado e ser encontrado diz respeito justamente ao contato por meio da experiência salvífica que o amor incondicional de Deus oferece a cada um de nós.

No entanto, a parábola não termina aqui. A lição sobre o perdão não terminou. Jesus acabou de Mostrar que Deus não mede esforços para acolher a todos indiferente do uso que é feito do seu patrimônio, mas isso não quer dizer que Deus seja permissivo e conivente com o pecado, pelo contrário, ele acolhe, e perdoa, mas espera de nós a conversão sincera e conhece o nosso intento de mudar ou não de vida.

O filho mais velho não estava em casa naquele momento ele retorna e ouve músicas e danças, chama um dos empregados e pergunta o que está acontecendo ali o empregado lhe responde: ‘É teu irmão que voltou e teu pai matou um novilho gordo, porque o recuperou com saúde.’ Então ele ficou com raiva e não queria entrar. O pai então sai e suplica que o seu filho mais velho entre. O filho mais velho responde: ‘Há tantos anos que te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos, e nunca me deste um cabrito para festejar com os meus amigos. Contudo veio este teu filho, que devorou os teus bens com prostitutas e para ele matas um novilho gordo!’ O pai responde: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. “Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois este teu irmão estava morto (nekrós) e agora vive (ezesen) estava perdido (apololos) e foi encontrado (eurethé).”

A lição sobre o perdão só termina quando o pai mostra ao irmão mais velho que a volta do irmão mais novo merece ser comemorada. O filho mais velho não havia percebido que o tempo todo o patrimônio do seu pai era de fato seu também. De fato, ele sempre estava com o seu pai. É por estar sempre junto do pai que tudo que é do pai é do filho. Mas o filho mais velho ainda não tinha entendido que o patrimônio tinha como objetivo sustentar a vida e que ainda que o filho mais novo tivesse devorado os bens com prostitutas, o que o pai queria era ter seus dois filhos perto dele, juntos e com saúde.

 A volta do filho mais novo é a metáfora da nossa conversão. Jesus faz uso desta parábola para mostrar que o desejo de Deus é sempre o de estender o seu amor a todos. Principalmente aos pecadores. Os fariseus e os escribas representados na parábola pelo filho mais velho são chamados também à mesa da liturgia do perdão. São também chamados a celebrar  e viver o desejo  que todos os homens têm de se saciar de Deus.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Tradução e comentário à MT 6, 7-15 "Pai nosso"

       A liturgia católica nos permite viver ao longo do ano diversos momentos da vida de nosso salvador.
A quaresma enquanto parte desta celebração nos convida a viver através da reflexão sobre a práxis cristã. E dentro do universo de trechos bíblicos que a Igreja separou para este momento de reflexão importante para um cristianismo autêntico. Para o dia de hoje foi selecionado o trecho do evangelho de Matheus capitulo 6 versículos 7 ao 15. Neste trecho do evangelho nos é apresentado uma das versões do Pai nosso (a outra se encontra em Lc 11, 1-4).
Gostaria de propor uma releitura desta passagem em que eu não valorizo a oração do “pai nosso” enquanto oração, mas como uma ação transformada em oração. O evangelista nos apresenta uma seqüência de lições que Jesus dá ao povo sobre práticas religiosas diárias, como: Jejum, orações particulares, o exercício da caridade. (esse texto com estas lições foi a leitura do dia da quarta-feira de cinzas) Logo a seguir Jesus ensina que a oração não deve ser longa, repetitiva. “E quando for orar não fique tagarelando (battalogia) como é costume entre os outros povos. Supondo que serão atendidos por causa do seu muito falar.”(polilogia) (MT 6,7) A palavra “battalogia” tem um sentido de tagarelar, mas também pode significar gaguejar, um falar vacilante. O sentido aqui é o de falar sendo redundante repetitivo. Jesus parece até mesmo empregar um pouco de sarcasmo quando deduz que falam demais por que acham que é o número de palavras que vai garantir que a prece seja atendida. Uma vez que é a fé que move a prece a Deus e não o número de palavras.
        Jesus pede para que este gênero de oração seja evitado: “Não se assemelhem a eles, pois vosso pai bem sabe qual é a necessidade de vocês antes mesmo que o peçam”. (MT 6,8) E em seguida ensina o pai nosso como oração universal, isto significa que é uma oração que pode e deve ser feita por qualquer um que deseja se aproximar de Deus, se tornando intimo dele. A oração que Jesus nos ensinou tem dois momentos importantes que não se separam, pois se complementam e são a essência do evangelho como é muito bem dito pelo catecismo: (...) “ Depois de ter nos legado esta fórmula de oração, o Senhor acrescentou: ‘ pedi e vos será dado’ (Jo 16,24). Cada qual pode, portanto, dirigir ao céu diversas orações conforme as suas necessidades, mas começando sempre pela Oração do Senhor, que permanece a oração fundamental.” (Cf. Catecismo §2761). Não é que Jesus quer abolir o que hoje chamamos na Igreja de oração espontânea.
     Mas a oração do pai nosso traduz a vida daquele que se dispõe ao seguimento do Cristo como veremos a seguir. Jesus então diz: “Vocês devem orar deste modo: Nosso Pai que está no céus; santificado é o teu nome; Que venha o teu reino; seja feita (genétheto) a tua vontade (thélema) do mesmo modo no céu e sobre a terra.” (MT 6,9-11) Aqui temos o primeiro momento de que falei desta oração belíssima ensinada por Jesus. Primeiro o contato intimo com Deus chamando- o de Pai de todos e em seguida atribuindo justiça ao seu nome, sim justiça porque ser santo é ser justo no antigo e no novo testamento. Depois os dois pedidos importantíssimos do qual depende a segunda parte do pai nosso.
    Primeiro o desejo que se instaure o reino de Deus, isto significa um comprometimento com a sua aliança e o desejo vivo de ter Deus sempre próximo presente na nossa história caminhando conosco até a Jerusalém celeste. Mas para que o reino venha é necessário que a vontade de Deus seja realizada, esse desejo que é o de vida digna, de igualdade perante a lei (positiva que deve ser espelho da lei divina) vontade que deve começar no céu e descer por sobre toda a terra enchendo o coração humano do desejo de Deus por vida plena e sobre tudo justiça.
    E a oração continua: “O pão nosso necessário para cada dia (epiousíon) nos dá hoje; Perdoa as nossas dívidas do mesmo modo com que perdoamos aos nossos devedores; e não nos introduzas na tentação, mas no livra do mal (ponérou). (MT 6,11-13) Na segunda parte que não é menos importante que a primeira o pão necessário para cada dia (epiousíon) é a marca do que nada me falte que é necessário para que eu tenha uma vida digna. Depois as linhas que eu considero as mais importantes da oração o incentivo ao perdão, marca única do judaísmo e consagrada por Jesus no seu ministério levando ao pleno entendimento referente ao desejo de Deus expresso em Os6,6 “Quero a misericórdia e não o sacrifício” perdoar as dívidas do mesmo modo que esperamos ser perdoados por Deus, parece uma espécie de troca que fazemos com Deus esperando dele misericórdia e clemência pelos nossos pecados.
   No entanto a lógica é outra. Deus não nos deve nada e não nos julga por estar digamos assim numa posição privilegiada em relação a nós suas criaturas manchadas pelo pecado. O incentivo pelo perdão é o reconhecimento de que todo ser humano merece uma sentença justa da parte do seu próximo, uma vez que ele também erra, aceitar as limitações do outro é um desafio a vida comunitária, por isso o perdão é tão importante. E infelizmente muito difícil de ser dado as vezes. Quantas pessoas não tem dificuldade de abraçar o outro reconhecendo com ele que o pecado caminha entre nós, mas que o amor de Deus e o nosso amor pelo próximo tem que ser maior que os erros, que o pecado.
    Por isso para mim os versículos finais deste trecho selecionado são os mais importantes porque explicam a essência do cristianismo: “Pois se perdoar as faltas dos homens o Pai que está no céus também te perdoará. Mas, senão perdoar os homens, tampouco o Pai perdoará as tuas faltas.” (MT 6,14-15) Digo explicam a essência porque o perdão é a forma sublime do amor pelo outro, perdoar aquele que se arrepende do que fez é melhor modo de acolher aquele que cai. O perdão é parte importante na pedagogia cristã.
    O pai nosso é um convite a fazer da nossa vida uma oração, a oração viva prefigurada no martírio, no testemunho do sonho de salvação que Deus nos deixou por herança por meio do ministério de Jesus até a sua morte na cruz e sua ressurreição. Jesus em vários momentos cura perdoando os pecados demonstrando essa misericórdia tão cara a Deus que ele demonstra querer mais que qualquer formalismo religioso. (Cf.Os 6,6) Jesus sendo a palavra de Deus encarnada, sendo o próprio Deus com um rosto humano revelando essa mesma misericórdia para aqueles que são oprimidos pelo pecado.
    Esta é a prova de que Deus não é indiferente a nossa condição de pecador, ao contrário ele quer nos resgatar e nos ensinar a resgatar nossos irmãos que padecem também desta enfermidade que é a falta do perdão e do amor. Sem o perdão o reino de Deus e a vontade de Deus não opera, sem o perdão de Deus não há humildade que nos mostre a face amorosa do Pai. Sem o perdão faltará o pão necessário de cada dia da nossa vida. Sem o perdão o pai nosso perde o seu sentido e se torna também “battalogia”, isto é, um discurso vazio, longe da proposta de nosso salvador de sintetizar e tornar mais intimo o nosso encontro com Deus.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Prólogo Jo 1, 1-18

Texto originalmente publicado em http://breneralexadris.blogspot.com no dia 25/12/2011 por ocasião da solenidade do natal do Senhor.


Depois da espera que configura o advento. Trazer uma tradução do prólogo de São João para mim em termos de escolha de texto é como colocar a cereja no bolo. Porque o teor metafísico do prólogo não exime o texto da sua ligação já distante com o judaísmo no qual Jesus foi educado. O evangelho de João é o mais recente dos quatro evangelhos considerado canônicos. O texto foi escrito por volta do ano 90 d.c. algumas coisas chamam a atenção no texto: o primeiro é a valorização do discurso através da palavra criadora de Deus. O que é muito diferente das tradições cosmogônicas pagãs (grega, babilônia, persa entre outras). O mais fascinante é que a ação criadora da palavra é o próprio Deus criando do nada! (outra característica do judaísmo herdado pelo cristianismo). Ainda sobre a palavra a natureza trinitária não é percebida aqui, mas Jesus enquanto palavra é o próprio Deus o que além de revelar a natureza salvadora de Deus, também revela a natureza cristocêntrica da criação (uma coisa leva a outra, Deus cria, com efeito, para convidar a sua criação a eleição e à eternidade adquirida através da revelação do rosto de Deus feita pelo messias). O segundo momento é a associação da palavra com a luz. É sabido que o cristianismo enfrentava as chamadas heregias conduzidas pelos gnósticos e maniqueístas.

 E, por isso, é importante compreender esta associação da palavra com a luz, a palavra com efeito, revela e ilumina. Revela o próprio Deus por meio de sua criação, a revelação traduz o desejo de Deus de participar da vida de suas criaturas convidando-as a uma vida renovada através de uma mudança radical de valores morais, nisto consiste o verdadeiro judaísmo (pregado por Jesus) e do cristianismo enquanto rompimento com a tradição formalista do judaísmo. no meio do prólogo o evangelista introduz a missão de joão Batista como uma testemunha do projeto de Deus e do desejo de Deus de resgatar a humanidade do pecado. Nesta parte do prólogo o messias não é mais associado a palavra, mas apenas como "a luz que ilumina todos os homens" indicando o sentido próprio do messianismo judaico de trazer esperança e ser um guia para todos os povos.

No evangelho de João, ao que parece, a eleição não é mais um privilégio dos judeus que recusaram Jesus como Messias, mas a eleição se estende a todos aqueles que acolhem a luz messiânica que levanta sua tenda entre nós se fazendo carne. ao fim do prólogo o evangelista retoma o tema da palavra indicando sua encarnação e endossando a missão do messias que é fazer cumprir através da graça a lei que Deus deu por herança aos judeus através de Moisés.

Por isso escolhi o prólogo o mais filosófico e mais metafísico dos textos bíblicos que já li cercados de símbolos que demarcam a fronteira entre o judaísmo e o cristianismo, suas semelhanças e diferenças a partir da aceitação e reconhecimento de uma parte importante da herança religiosa ou da recusa em reconhecer o recebimento desta herança, isto é reconhecer Jesus como messias. Os judeus ainda o esperam e os cristãos o reconhecem e procuram viver segundo os seus ensinamentos.

 Um texto que é um divisor de doutrinas, mas que poderia ser a marca de aproximação entre as duas ainda que demarque a separação definitiva das duas tradições monoteístas mais antigas do mundo. segue a tradução:
"No princípio era a palavra e a palavra estava junto de Deus e Deus era a palavra. Esta ( a palavra) estava desde o começo junto de Deus. Tudo foi gerado através dela e nada do que foi gerado se fez separado dela.
Nela estava a vida e a vida era a luz dos homens. A luz brilha na escuridão e a escuridão não a acolheu.
Havia um homem enviado da parte de Deus e o nome dele era João. Ele veio para ser testemunha, afim de dar testemunho da luz, para que todos crêessem através dele. Ele não era a luz, mas era a testemunha da luz.
A luz era a verdadeira (luz), a qual ilumina todos os homens vindo para o mundo.
Estava no mundo e o mundo foi gerado por meio dela, e o mundo não a conheceu.
Veio para os seus e os seus não o receberam. Quanto aos que a acolheram, deu para eles o poder para se tornarem filhos de Deus, aos que creram no nome dele, os que nem do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas gerados de Deus.
E a palavra tornou-se carne e levantou sua tenda entre nós e ao contemplarmos a sua glória, glória que o unigênito recebe do pai,cheio de graça e verdade.
João testemunhou sobre ele dizendo em voz alta:"este era aquele do qual eu falei: o que vem depois de mim, é maior que eu, porque foi gerado antes de mim."
Porque a partir de sua plenitude todos nós também recebemos graça sobre graça.
Pois a lei nos foi dada por Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo.
Ninguém nunca viu Deus, apenas o unigênito de Deus. O qual estando no seio do pai nos guia para ele."

sábado, 21 de janeiro de 2012

O Cristianismo e a política: Perseguições do passado e hoje.


     Desde os primórdios do cristianismo sua relação com a política sempre foi conturbada. O que pretendo aqui é desenvolver em linhas gerais um pouco da história desta relação a fim de explicar a causa das perseguições desde o império romano até os dias atuais através dos movimentos intelectuais, tais como a revolução francesa que marca o apogeu da modernidade. Na verdade vou concentrar meu esforço em explicitar a noção de responsabilidade cristã no cristianismo primitivo (igreja do primeiro século) e na conturbada relação contemporânea da igreja com a política, sobretudo no cenário atual brasileiro, que tem marcado as discussões em redes sociais (principalmente twitter) da parte de ateus e agnósticos que reclamam o estado laico como um direito conquistado pelo movimento iluminista e garantido pela constituição, isto é, pelo direito positivo.
   Obviamente por falta de material adequado a respeito da posição das igrejas evangélicas e ortodoxas no Brasil (desconheço a posição destas vertentes cristãs sobre a política na atual conjuntura). Vou buscar me fundamentar na posição da igreja católica apostólica romana, da qual estas vertentes se separam por divergências doutrinais e de interpretação da revelação bíblica. Minhas fontes para este pequeno texto serão o catecismo da Igreja Católica e um livro do Professor Doutor e padre João Batista Libânio, sj intitulado: “Qual o futuro do Cristianismo?” (deixarei as referências ao fim deste texto) e a fonte mais importante, a bíblia da qual tanto o catecismo como o livro do Professor Libânio buscam interpretar e justificar para explicitar a vivência cristã.

  O primeiro ponto a ser explicado não está diretamente relacionado a Jesus e ao cristianismo, mas está relacionado ao judaísmo. O judaísmo tem algo de peculiar em relação à experiência religiosa de seus vizinhos e demais povos ao longo do mediterrâneo. Os descendentes de Abraão cultuam uma única divindade, é a primeira religião monoteísta da qual temos registro. Uma religião que nasceu como várias outras religiões antigas, a partir do culto doméstico (cada família tinha suas divindades particulares que depois formaram uma religião “nacional”) Com o judaísmo o processo não foi muito diferente, exceto pelo fato de Abraão e sua família e descendentes cultuar um Deus único que se faz revelar e faz uma aliança com Abraão. Qual a importância de retroceder tanto na história bíblica e do cristianismo? Para responder a esta pergunta penso que é necessário citar o livro do Gênesis onde Deus faz a aliança e com ela uma promessa a Abraão: “O Senhor disse a Abrão: deixa tu a terra, tua família e a casa de teu pai, e vai para a terra que eu te mostrar. Farei de ti uma grande nação.” (Gn 12, 1-2ª) e em outra passagem mais adiante Deus promete a Abraão: “E partiram para a terra de Canaã. Ali chegando, Abrão atravessou a terra de Siquém, até o carvalho de Moré. Os cananeus estavam então naquela terra. O senhor apareceu a Abrão e disse-lhe: “Darei esta terra a tua posteridade.” (Gn 12, 5-7) Aqui começa a história do povo judeu e cristão. A promessa de que a descendência de Abraão formará uma grande nação ( na tradução grega da Septuaginta “ethnós”) constitui um legado que marcará toda a história da Igreja depois do rompimento com o judaísmo e marcou mesmo o povo judeu que enquanto “filhos de Abraão” reconhecem na aliança que Deus estabeleceu com o patriaca a eleição e convite para serem testemunhas do poder e da veracidade deste Deus frente aos seus vizinhos politeístas.

A aliança de Deus com Abraão é o marco religioso e político, porque o judaísmo identifica sem separar a vida política da vida religiosa a missão designada por Deus de serem testemunhas através da atitude singular de Deus em querer participar da vida dos homens, e ser testemunha significa para o judaísmo cumprir com a lei que Deus mais tarde entregará a Moisés no Sinai. O judaísmo portanto, não separa a vida religiosa da vida política e isto é marcado apesar da advertência divina, quando o povo pede ao profeta Samuel que escolha um rei para os governar porque este profeta já era velho (ISm 8,5). No tempo de Samuel quem governava o povo hebreu eram os Juízes que agiam como mediadores entre o povo e Deus. Eram servos de Deus que se colocavam abaixo da lei divina para governar o povo e mantê-los fiéis a aliança feita entre Deus e Abraão. A partir da herança dos juízes bíblicos já percebemos que há uma diferença enorme entre os reis persas, egípcios e caldeus e o rei judeu, pelo menos na teoria.

 Qual é a diferença? A diferença é que os egípcios, persas, caldeus viam seus reis como deuses, como entidades divinas encarnadas, enquanto os judeus sabiam que o seu rei era um homem escolhido pelo seu Deus para governá-los amparado pela lei que o próprio Deus havia entregado a Moisés no Sinai. Eis a grande diferença aqui entre fazer parte do “povo de Deus” e ser um persa, um egípcio ou um caldeu. Agora vocês podem me perguntar: beleza! Mas o que isso tem a ver com o cristianismo? Até agora você falou apenas da experiência religiosa do povo judeu, aonde Jesus entra nessa história toda? Eu explico: acontece que Jesus é descendente de David. Deixa-me terminar de explicar esta parte dos reis judeus. Quando o povo pede ao juiz Samuel que escolha um rei para eles, Deus escolheu Saul que pertencia a tribo de Benjamim. (Abraão foi o pai de Isaac que por sua vez gerou Jacó que teve 12 filhos dos quais as tribos ou clãs descendiam cada um de um destes filhos.) Benjamim era o filho mais novo de Jacó. E ao invés de dar à posteridade de Saul a hereditariedade do seu reino ele transfere para David o governo de Israel. David nasceu em Belém e era pastor de ovelhas. Deus promete a David que sua descendência governaria para sempre e o seu reinado nunca teria fim. (Cf. II Sm 7,9-16) É aqui que entra Jesus que por causa do casamento de Maria com José se torna descendente de David e nasce em Belém cumprindo uma profecia sobre o Messias que dizia: “E tu, Belém, terra de Judá, não é de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu povo”. (Miq 5,2) esta é apenas uma das profecias que foram feitas sobre o messias no antigo testamento.

 A responsabilidade cristã é oriunda, portanto da promessa que Deus faz a David de um reinado sem fim. Os judeus até hoje esperam o messias, este rei. Na época de Jesus muitos anunciavam o messias e se faziam messias incitando revoltas contra o império romano como é o caso dos zelotas. Com o anúncio do evangelho, Jesus anunciou um novo reino. Um reino dos céus no qual Deus é o verdadeiro Senhor e rei e que com a revelação de que Jesus enquanto filho de Deus também é o próprio Deus se torna também rei deste reino anunciado.

Os cristãos que inicialmente não se autodenominavam assim atestam a partir daí a ruptura com a política secularizada e se empenham em construir a nova Jerusalém governada por Jesus. Para construir e realizar o reino de Deus a argamassa e os tijolos são o testemunho vivo de fé dos cristãos que professam através da responsabilidade moral a qual são chamados. O cristão é um peregrino, um estrangeiro no mundo, porque o reino de Jesus não é deste mundo (Jo 18,36). O que justifica as perseguições por parte do império romano ligado ao culto pagão como parte da vida pública (uma vez que o imperador era visto como uma divindade e recebia culto junto com os deuses olímpicos). O que poderia ser interpretado como impiedade religiosa por parte dos romanos se tornava com esta ligação religiosa-política traição ao imperador. Como é muito bem exposto pelo padre Libânio: “Nesse universo político-religioso emerge com clareza o contraste com o procedimento dos cristãos que se negavam a prestar culto aos deuses e ao imperador. Pecavam contra a pietas romana, virtude religiosopolítica, muito diferente do nosso conceito atual de piedade.” (LIBÂNIO, João Batista. Qual o futuro do Cristianismo. p 66).

Mas não apenas os romanos foram perseguidores dos cristãos, os judeus antes deles já perseguiam o movimento que Jesus legara aos apóstolos (Cf. AT 8, 1b-3). Portanto, fica claro que o cristianismo sempre se posicionou em relação a política, tal qual os antigos profetas que anunciavam a salvação ou a desgraça do povo de Deus quando estes se desviavam da justiça. O cristão então se assume como testemunha de sua fé, testemunha do Cristo crucificado, entregando sua vida pela fé como modo de resistência pacífica as perseguições romanas.

O martírio de sangue é então a profissão de fé mais elevada, por que repete o ato de entrega de cristo para a redenção dos pecados. É mais elevado porque é a forma maior de depositar a esperança no amor de Deus. O cristão enquanto testemunha de sua fé e guarda do projeto salvífico de Deus tem a responsabilidade moral de cobrar da sociedade que ela seja mais justa, e que esta possa contribuir para que a dignidade humana não seja maculada, por valores que exaltem o prazer sem limites, o consumo desenfreado e a conduta pragmática que resulta na reificação dos seres humanos. Esta é a primeira parte do texto, na segunda parte apresentarei esta relação de compromisso à luz do catecismo da igreja.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Símbolo Cristão - Peixe (Ichthus)


Para inaugurar o novo blog apresento a tradução de um exercício do meu curso de grego antigo sobre o peixe como símbolo cristão(O blog leva o nome deste poste "Ichthus" sob o endereço "soteriologica" (discurso sobre a salvação). Os primeiros cristãos desenhavam o peixe na porta de suas casas usando - o como um código entre eles para não serem descobertos pelos seus perseguidores. Espero que gostem.

O peixe relembra o poder de Jesus nos arredores do mar da Galiléia. Tendo somente cinco pães e dois peixes repartiu-os para o povo e todos comeram. (Cf. Mc 6, 30-44).
Para os primeiros Cristãos as cinco letras da palavra "ICHTHUS" (Peixe) significa: Jesus, Cristo, Deus, Filho, Salvador.

Bibliografia

BRANDÃO, Jacyntho Lins. Maria Olívia de Quadros Saraiva. Celina Figueredo Lage. Helenika: Introdução ao grego Antigo. Belo Horizonte, Editora UFMG,2009 2°edição p.127